sábado, junho 6

[Profissão Famosa]

Quando um acidente aéreo acontece, nunca uma profissão se torna popular quanto a de piloto de avião. Isso é notável porque quando saio com amigos que eu não vejo faz tempo ou aqueles que me tem como referência de insider sobre o tema, acaba que o mero (re)encontro acaba virando uma entrevista coletiva.

Eu detesto esse tipo de coisa, mas acaba que a curiosidade humana se sobrepõe a qualquer bom senso. Não tenho nada contra responder as perguntas e dúvidas, desde que sejam válidas ou não tenham o propósito de fazer uma crítica descabida contra o evento em si. Do estilo "porra, esse airbus é uma merda mesmo né!". E sabemos que a coisa não é bem assim.

Enquanto profissional da área da aviação, fiquei pasmo com o acidente do Air France 447. É um vôo que eu ouvia na fonia com o Centro Brasília e Centro Recife com bastante regularidade, visto que estou sempre nas bandas do nordeste do país.

Mas o que me deixou mais pasmo mesmo foi a quantidade de sensacionalismo que a Globo News (na realidade, não só ela como boa parte das agências de notícias) apresentou na sua análise prévia do acidente a qual sabemos que qualquer especulação vai cair por água abaixo. Mas é o tal, o jornalista em tese - principalmente nos dias de hoje - não está mais preocupado com a ética de informar imparcialmente as notícias, e sim está preocupado em fazer fama e vender jornais e popularizar o acesso dos sites de notícia para ganhar um salário melhor. Na realidade eu não os condeno, porque esse país está de ponta cabeça com seus valores éticos e profissionais (ex: estagiário de direito ganha menos que um gari e o presidente da república é um analfabeto, pra dizer o mínimo).

Mas pelo amor de deus, jornalismo sério não é difícil de fazer.

Nesse exato momento as buscas nas proximidades do suposto acidente encontraram 2 corpos e alguns itens de bagagem (dentre eles um laptop que flutua, sabe-se lá como), mas mesmo assim, antes de colocar os pontos principais desse post, eu digo o seguinte: O que vai solucionar o mistério deste acidente é o CVR e o DFDR (Cockpit Voice Recorder e o Digital Flight Data Recorder) da aeronave.

Então tá.

Eu tava de sobreaviso quando recebi a notícia. Acordei logo com um post de um amigo meu, o Durval Barbosa, dizendo "porra, esse Airbus é uma merda mesmo!". Opinião dele. Aí liguei a Globo News e nnada se falava além do Air France que era pra ter pousado há tantas horas em Charles de Gaulle (sim, aquele que falou que o Brasil não é um pais Sério).

A partir daí, uma série de absurdos começaram a ser processados pela empresa de notícias, pois a impressão que deu é que eles pegaram a mesma cartilha de operação em caso de crises políticas e aplicaram nos casos de acidentes aéreos, chamando especialistas mumificados e professores medíocres pra fazer entrevistas e dar suas opiniões em coisas de que eles não fazem a MÍNIMA IDÉIA do que sejam.

Então vamos ilustrar alguns pontos que eu acho relevante sobre o acidente e sobre as cagadas das agências de notícias e o tema em si:

1) O Major Brigadeiro da Aeronáutica:

A Globo News chama um Brigadeiro para fazer uma entrevista: Ora, o Brigadeiro, além do doce mais popular na festa da criança, é uma das mais altas (senão a mais alta antes da liderança do comando da aeronáutica), dificilmente voou aeronaves do naipe do Airbus, e a aviação dele começou com uns teco-tecos e terminou, no máximo, num Bandeirante. É EVIDENTE que ele não tem a mínima idéia do que aconteceu naquele caso porque para dar uma opinião, ele deveria conhecer um mínimo dos sistemas, das filosofias das aeronaves airbus, e o máximo que ele sabia falar era de Mau tempo. Também pudera: Mau tempo era a única coisa de ruim que tinha na aviação dele, onde mal existia um radar meteorológico monocromático.


É claro, porque Mau Tempo vive cercando as forças armadas no que diz respeito aos seus financiamentos para comprar caças e sustentar as aeronaves de uso diário deste comando. E tem mais, o cara virou um burocrata de escrivaninha, o que ele aprendeu morreu com ele há anos atrás. A aviação hoje é outra, ela é "glass cockpit", ela é muito mais dinâmica e envolve muito mais gerenciamento do que pilotagem. Se você pegasse um entusiasta de Flight Simulator talvez ele soubesse mais de Airbus A330 do que o próprio Brigadeiro em si.

2) O Professor da Faculdade que ensina Teoria de Vôo.

Em outra entrevista, e seguindo a cartilha das crises políticas, eles adoram ir numa faculdade e chamar um especialista em alguma coisa. Mal comparando, é como se fosse assim: Houve uma crise no império culinário de Jamie Oliver ou da Nigella, e eles chamaram a Ana Maria Braga para falar sobre o assunto. Como a cartilha diz: "arrume um especialista e encha linguiça".

Pegaram um tal de Marco, que por um acaso foi meu professor de Teoria de Vôo de Piloto Privado, lá em 1998. Há 10 anos atrás ele era mais desbocado, completamente vulgar, e fazia questão de me xingar de "Gordo", de forma realmente ofensiva. Ora, tudo bem que eu não sou magro até hoje, mas uma coisa é você zoar, outra coisa é sendo professor e faltar com o respeito com o Aluno. Mas como eu precisava do diploma do curso para ser piloto, aturei os esculachos que ele me dava e aprendi que "quem sabe faz, quem não sabe ensina" e aprendi também que eu nunca vou ser um medíocre que nem ele, por isso que eu estudo pra caralho pra ser quem eu sou hoje, e continuo fazendo desta forma.

Pois bem. A entrevista do seu Marco foi falando sobre sistemas de aeronave e sobre os aspectos envolvendo a tal turbulência que poderia ter derrubado a mesma. Globo news, acorda! Um acadêmico não estaria numa faculdade ensinando se não estivesse aposentado. Lugar de piloto é no avião, e mesmo aposentado poucos vão dar aula, porque estão de saco cheio!

Aí me vai o cara falar sobre coisas que, novamente, ele não sabe, porque ele nunca entrou num avião a jato a não ser num Citation X para acabar quebrando o mesmo. Mas para denegri-lo, eu fico por aqui, porque como diz aquela máxima do faustão, quem sabe faz ao vivo.

3) O Meteorologista Amador (não relacionado a Meteorologia aérea):

O meteorolista amador - tipo esse de TV que não acertam porra nenhuma para o fim de semana - fazendo uma análise do acidente do Air France seria equivalente a você chamar um especialista em asfalto para falar sobre uma batida de carro que aconteceu na Avenida Brasil. Obviamente as aerovias utilizadas na aviação não são diferentes do que uma Avenida Brasil (a carioca, não a paulista!), só que temos uma infinidade de faixas para usar quando tem merda na frente. Só que o meteorologista amador, leigo, ou mané, não sabe disso, porque provavelmente não sabe o que é relevante e o que não é para o piloto. Logo, meteorologista que não seja focado especificamente em aviação só vai falar merda. Porque ele vai ver aqueles borrões na tela e nego vai dizer "ohhhhhhhhhh" e as pessoas vão começar a achar que aviação é cada vez mais perigosa e vão voar menos, e quem vai pagar a conta são as empresas aéreas, novamente. Particularmente eu não vi a Globo News fazendo isso, mas a Fox News (duh!) e a CNN fizeram bastante isso. Pegaram os meteorologistas-de-fim-de-semana e colocaram eles analizando a merda toda. Mas enfim.

Agora que eu parei de reclamar, vamos analisar a fundo as teorias do acidente como um todo.

Preliminarmente posso dizer a você que se vocês acham que os pilotos (em geral) sabem o que aconteceu, pasme! Honestamente não sabemos. Eu não faço a mínima idéia. Porque a grande verdade está guardada no fundo do Oceano, ainda não alcançável. Esse é um dos acidentes mais misteriosos que temos, visto a quantidade de variáveis que se envolvem na tragédia: Fatores humanos, fatores ambientais (meio), e fatores técnicos (Aeronave). Mas posso fazer certas afirmativas com segurança, para desmistificar a midia e suas teorias escalafobéticas e catastróficas sobre o que aconteceu.

Então vamos lá:

1) O Raio:

Então é isso. No começo falaram que um raio derrubou o avião da Air France. Nunca se conheceu essa faceta de São Pedro, o cara que odeia avião francês e franceses a ponto de fazer um slam dunk com eles no mar. Isso é falacioso, porque raio não derruba avião.


Causa alguns problemas, mas não a esse ponto. Pode até ter contribuido, mas não é o motivo principal do acidente, até porque a influência do raio na aeronave é explicado pela Gaiola de Faraday. Para quem quiser saber mais sobre isso, é só ir na Wikipedia.

Aliás, nem o Major Brigadeiro Fudêncio muito menos nosso professor da Estafácio de Passá falaram desse fenômeno para os jornalistas da Globo News, porque fatalmente eles NUNCA OUVIRAM FALAR disso. E, claro, os meteorologistas amadores ou não-aeronáuticos também não falaram nada sobre a respeito. Quanto aos jornais impressos, deixa pra lá, eu honestamente não tive tempo de lê-los tamanha a minha ojeriza com o tipo de jornalismo-mané que é feito hoje em dia.

1.1) O Raio e seu envolvimento na Pane Elétrica

Em toda a minha experiência aeronáutica que eu tenho, a qual devo adicionar que é muito maior que a de nosso Major Brigadeiro do Ar e infinitamente superior do que a do nosso professor da Estácio de Sá, um Raio pode causar algum transtorno no sistema elétrico na aeronave.

Mas antes de falar sobre isso, vamos falar do sistema elétrico de uma aeronave dessas que voam pro exterior (ou seja, os "Wide Bodies, que levam MUITA gente pra MUITO longe, sem trocadilhos por favor): Normalmente elas tem tantos geradores quanto o número de motores (reatores ou turbinas, como queira), somados a 1 gerador auxiliar (chamado de APU - Auxiliary Power Unit), e algumas aeronaves tem um catavento imenso na barriga do avião que também supre eletricamente a aeronave, chamado RAT (Ram Air Turbine).

Colocado essa regra,

Um Boeing 777 teria 2 motores, então 2 geradores, 1 APU, 1 Bateria e provavelmente 1 ventiladorzinho disponível. São 5 fontes elétricas DIFERENTES.

Um A340 tem 4 turbinas. Então tem 4 geradores, 1 APU, 1 Bateria e 1 ventiladorzinho disponível. São 7 fontes elétricas diferentes, no mínimo.

Um A330 tem 2 turbinas. Portanto, 2 geradores. 1 APU, 1 Bateria e 1 ventiladorzinho disponível. São 5 fontes elétricas diferentes que podem suprir a aeronave em vôo, sem nenhum problema.

Nota: Com exceção da bateria e da RAT (que só supriria os sistemas de navegação do comandante), todos os geradores suprem toda a aeronave com sobra, cada um deles sozinho.

Agora vamos ao ponto: Que tipo de problema um raio causaria no sistema elétrico na aeronave? É simples: O mesmo efeito que um pico de luz faz no quadro de força de sua casa/apartamento. Se o raio sobrecarregar o sistema, ele vai desarmar, e num flash de redundâncias do sistema, fontes de energia diferentes iam se isolar e iam se re-conectar a ponto de a) não deixar os comandos nem os sistemas de navegação da aeronave caírem; e b) iam alertar do acontecido nas telas da aeronave.

O que normalmente acontece é o seguinte: Os "disjuntores" da aeronave disarmam, os "barramentos" soltam e o avião voa na bateria. Mas se os geradores estiverem OK, eles podem ser reacoplados, e durante o vôo, se for por opção, dá pra ligar a fontezinha auxiliar (o tal do APU) pra auxiliar na divisão da carga elétrica da aeronave.

O catavento, no caso do A330, só seria habilitado no caso de emergência total de todos os geradores, como acontece em diversas aeronaves de outras fabricantes também, dentre eles o 777 e o MD-11.

Logo conclui-se que com uma vastidão de fontes elétricas (que, aliás, são projetadas para funcionar nas piores condições possíveis e são certificadas internacionalmente pra isso) que não foi isso que causou o acidente, todavia, PODE SER um dos FATORES CONTRIBUINTES para a tragédia, o que é algo completamente diferente.

2) A Turbulência, as formações meteorológicas e as outras aeronaves na rota para Dakar.


Outro aspecto que a midia adora com seus meteorologistas-de-fim-de-semana é o aspecto da turbulência, das formações e as rotas que a aeronave tinha que pegar.

Vamos começar do começo: Primeiro é que ninguém gosta de turbulência, nem os pilotos. Primeiro porque derrama a comida e a bebida na gravata, e segundo porque os passageiros não gostam. Passageiro quer fazer vôo calmo onde possa dormir, comer, e nem sentir que chegou no aeroporto de destino. E, claro, tudo isso pra ontem.

Em rotas internacionais o planejamento de combustível que a aeronave leva é para desvios de formações na rota, que, aliás, são previamente analisadas e levadas em consideração para a hora do abastecimento. Uma turbulência no vôo internacional não é desejável, mas também não é inevitável, desde que seja desviado de forma adequada. Nesse sentido, fatores contribuintes para o acidente realmente poderiam ser um radar com funcionamento duvidoso, ou então péssimo julgamento para escolher as proas de desvio.

Mas o mais importante passou desapercebido pela cabeça mongolóide das agências de notícias, do Major Brigadeiro e do Professorzinho: O Air France, naquela noite, não era a única aeronave indo para a Europa, utilizando aquela mesma aerovia. Outra aeronaves passaram por ali. Por que não cairam todas então? Só o Air France? E por quê só o Air France? Algo aconteceu ali que ninguém viu. E não pode ter sido só turbulência, porque ambos, presumidamente, viram as mesmas nuvens no meio do caminho e provavelmente fizeram (ou solicitaram) os mesmos desvios de rota do que as que vieram ANTES do Air France e os que vieram DEPOIS também. E aí? Como é que fica essa história de turbulência? Será que ela prevalece? Eu tenho cá minhas dúvidas.

Outro fator importante a ser considerado é que quando a turbulência acontece, nem sempre ela é esperada, ou as vezes ela nem pode ser evitada. Para isso, os engenheiros das aeronaves criam procedimentos para caso uma turbulência seja inevitável - sendo ela moderada a severa - que a aeronave é certificada a voar naquele ambiente hostil com segurança em determinadas condições, e todas elas estão previstas num manualzinho muito bonitinho que fica do lado de cada um dos pilotos. Se você procurar no Youtube, tem um video de homologação de uma asa do Boeing 777 que eles empenam até ela chegar na sua fadiga estrutural máxima, onde ela explode. É um video interessante de se ver, e que provavelmente nossos especialistas da Globo News viram em algum email de corrente e não acreditaram que isso existia.

3) Formação de Gelo na Aeronave.

Para os amantes de uísque, já aviso logo: Formar gelo na Aeronve não necessariamente é uma boa. Só para explicar rapidamente, gelo é agua abaixo de 4 graus célcius. Até uma determinada altitude, as nuvens "algodoadas" e "cinzas" carregam muita umidade, água. E acima de uma determinada altitude eles ficam mistas, ou viram gelo. E até aí tudo bem, mas quando uma aeronave entra numa dessas, coisas ruins podem acontecer.

O mais engraçado é que quando falamos de formação de gelo na Aeronave, o leigo logo lembra naqueles desenhos do pica-pau onde o leôncio entra num freezer e sai que nem um cubo de gelo. Não, não acontece assim. A coisa funciona dessa maneira: A aeronave acumula gelo na parte da frente da asa, que muda a curvatura e o formato aerodinâmico da mesma, e aí sim você tem um risco para as operações aéreas. Só que existem alguns tipos de gelos diferentes que podem ficar ali e impregnar, outras que podem grudar na mesma velocidade que vão desgrudar logo em seguida. E, claro, o engenheiro da Boeing, Airbus, ATR, Fokker, Beechcraft e afins, criaram sistemas de degelo e antigelo para esses locais onde seu acúmulo seria crítico para segurança do vôo da aeronave.

Só que além da asa, o Gelo pode comprometer outros 3 elementos mais sensíveis da aviação que são as portas estáticas e o tubos de pitot. Isso sim nossos amigos especialisdas da globo news sabem, porque isso é "Aviation Systems 101", ninguém consegue ser piloto sem conhecer esses elementos. O problema todo é se o gelo comprometer esses elementos, pois uma vez acontecido isso, voce perde indicações de altitude e velocidade do ar que nada mais é o calcanhar de aquilles de QUALQUER AERONAVE, seja ela TECO TECO seja ela o A380 ou até mesmo o concorde.

O pulo do gato deste acidente, ao meu ver, começa aqui. Mas antes de começar aqui, ele já estava com problemas antes mesmo de sair do Rio de Janeiro. Um acidente aeronáutico, seja ele qual for ou como aconteça, tem pelo menos 5 a 7 elementos contribuintes para consolidar o acidente.

Independente de qualquer coisa que seja hipotética, o importante é esperar o laudo final das investigações e tomara que alguém da europa ou dos EUA tirem a jurisdição do Brasil em investigar esse acidente, porque ao que parece a aeronáutica não tem equipamento nem autonomia pra chegar até a origem do local do acidente. A crítica é construtiva, e sejamos pragmáticos: Os caras lá fora tem mais bala na agulha para saber sobre isso, e não há ninguém mais interessado em saber o que aconteceu do que a França, que é o berço da maior fabricantes de aeronave do mundo, a Airbus.





3 Comments:

At 7/6/09 8:47 PM, Blogger Digo não Digo said...

Isso eu só vou ler amanhã ...

:D

 
At 7/6/09 11:21 PM, Blogger Uncle Jay said...

Acharam um VIVO entre os resgatados. Um Oi e um Nextel também!

[Roque, confessa... vc adorou essa, não?]

Ah, antes que eu me esqueça... esse AirBus é uma merda, hein!

ahahahahaha

 
At 8/6/09 3:57 PM, Blogger Digo não Digo said...

Porra Rók!

Tudo isso só pra mandar o professor tomar no cú?

Hahahahaehoiaehoai

Manda ele pegar o tubo de pitot e ó ...

 

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